quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Um capitalista em Cuba

No dia do anúncio do fim do programa Mais Médicos, Cuba volta a tona. Fechada pela vontade de seus mandatários, sem a menor liberdade para seus cidadãos, a ilha segue seu regime totalitário. Defendidos pelos convertidos, a lenda tornou-se muito maior que a realidade. Se houve algum tempo de bonança, essa já está enterra.

Em janeiro de 2014 fui a Cuba. Mesmo jamais tendo sido defensor de seus ditadores ou mesmo ou simpatizante de esquerda, o país sempre esteve nos meus principais planos turísticos, fosse para ver a realidade socialista, fosse, guardadas as devidas proporções, para meu de volta para o futuro, andando em uns Cadillacs velhos, nos tempos pré-cartão de crédito, celular e internet.

O voo partiu para Havana, com escala no Panamá. Aeroporto novo, internet voando, dólar como moeda padrão, predios cortando o horizonte. Na chegada em Cuba, um certo cheiro de nostalgia já surgia no ar. O aeroporto, bem digno, era bem anos 80. Me lembrou na hora o do Duro de Matar II, com as televisões caixotes com informações básicas, aviões com aquele acabamento cromado, divisórias de vidro encardido. No saguão, nada dos clássicos cafezinhos, locadoras de carros e bancas. Não havia nada, apenas uns guichês de uma Embratur local.

Pedi um transfer para o hotel. Queria estrear com chave de ouro meu momento Biff Tanen em um baratão daqueles... mas, dei de cara com um Peugeot velho, detonado. Uma espiada no odômetro me levantou a sobrancelha: 999.999 - ou seja... ao infinito e além. Fui descobrir que a França - quem mais poderia ser? - fez um acordão com Fidel no fim dos anos 90, e mandou para lá um monte de Peugeots e Citroens. Se Collor achou os carros do Brasil carroças, imagina os caras de lá, que quando tem opção, é entre um carro de 1950 ou um francês...

Seguindo no papo com o motorista, nada demais, a conversa de sempre de qualquer lugar:
- Primeira vez? Estão gostando? Se esperava grandes contrastes, a pergunta que me chovia era bem familiar... E a Carminha? A novela da Carminha estava em seus capítulos finais naquele janeiro, aparentemente causando a mesma febre que ocorrera aqui.

Na cidade aí sim a surpresa! Tudo caprichadinho, pintado... trânsito zero, arborizado. Passamos por hospital cardiológico, bonitão, vazio. Até que o comunismo nem é tão ruim hein? Guarde essa informação... Mais a frente você entenderá...

Chegamos no Hotel. Escolhido a dedo. Havana Riviera. Aos fãs, sim, aquele em que Michael Corleone enfrenta Hyman Roth na cobertura, dando início ao clímax do Poderoso Chefão II. Me senti o próprio Michael ou até o 007 do Sean Connery chegando no Caribe. Recados na recepção, chaves em um envelope, telefones de parede, business cards de acompanhantes, porteiros e maleiros uniformizados ao estilo Goldfinger. O bar era próprio do poderoso chefão, sujeitos mal encarados, garçom com cara de espião... E o restaurante? Piano de cauda, entalhes de madeira até o teto... só pra não perder a metáfora do livro/filme, estilão Gatsby.

Como um nostálgico confesso, até mesmo do que não vivi, tudo parecia sensacional. Mas aí os detalhes vem à tona. No mesmo restaurante luxuoso, o prato era sempre sujo, o quarto, mofo puro, com direito a água minando do armário ao ligar o chuveiro. Da vista da janela, o mar. Mas todas as avenidas coloridas tinham ido embora. Guarde essa informação... Mais a frente você entenderá...

Saímos no passeio... parei numa casa de câmbio, onde uns dólares foram trocados 1 para 1 com os pesos cubanos - uma moeda exclusiva para turistas. Os cubanos recebem outro peso, cuja proporção era de um (meu) para 25 (deles). Chamou-me atenção muita gente na rua, pareciam aproveitando os espaços públicos, relaxando... muito legal hein?
Seguimos e paramos em um paladar. O tal paladar é um dos poucos negócios que um cubano podia ter naquela época - um restaurantinho, tocado pela família, voltado a turistas. Comida simples e boa. De cara, o atendente te pergunta: olá, quem te indicou? Como nos outros parágrafos, já eu explico.

Mais uma volta... nada das avenidas coloridas e arborizadas, mas muito prédio no reboco, cueca pendurada, varal cruzando a rua, do lado do fio elétrico. A paisagem mudou, mesmo estando no centrão, de frente ao mar. Mar aliás tensíssimo! A onda batia na barreira da rua e voava água até umas quatro pistas de distância. Incrível pensar em pegar um barquinho e dar umas remadas por ali...

Numa dessas, um casal de Cubanos na rua, escutando o português já pergunta:
- E a Carminha?
Conversa vai, conversa vem, começo a tirar umas dúvidas, os porquês. Seguimos o papo até um boteco clássico - casa de ninguém menos que Compay Segundo, membro do icônico Buena Vista Social Club, trilha sonora de 110% dos restaurantes de Havana e em 180% dos restaurantes cubanos pelo mundo.
Em um Martini e outro, falo que sou médico e o simpático cubano me convida para ir a um hospital, não sem antes comprar uns charutos piratas, naquele me engana que eu gosto, mas com o fim nobre de apesar da exploração, dar uma ajuda pro cara, claramente quebrado.
Ah, quase esqueço... profissão? Professor primário. Sonho? Arrumar um emprego no turismo. Calma... já eu explico.

Chegamos ao hospital. Bem da verdade, um prédio velhos, como qualquer outro, sem reboco. Pasmem os crentes, mas filas, filas e filas. Dei uma olhadinha na sala, macas ao melhor estilo necrotério - de lata, sem colchão. Baldes no chão. No consultório, um médica atendia numa mesinha, azulejo sujo, sem pia, sem toalha. Dedo cortado e icterícia ali, lado a lado, resistindo horas lado a lado, em pé, ora sentado na meia dúzia de cadeiras, ora sentado no chão. Tivemos que sair. Não poderíamos seguir em outras áreas.

No fim do dia, os amigos tinham que ir embora, mas não sem um pedido inusitado. Meio constrangido, o rapaz me pergunta se eu não teria umas 3 camisetas iguais a que eu estava usando. Não entendi, mas confirmei que tinha. Pergunta seguinte, eu ia precisar delas?
Na mesma linha, a mulher do casal pergunta a minha mulher se ela tinha também umas calças. Sim ela tinha, mas por quê?
Calma eu explico.

O mais médicos é a essência de Cuba. Não dos cubanos, que tratam as pessoas - sem excessão - com cordialidade, simpatia e alegria, mas do Estado Cubano. O presídio ilha de Fidel Castro, tal como o Programa do PT tem lá alguns (poucos) acertos, está soterrado de boas intenções, discursos bonitos e ideais nobres, mas na essência, é um grande migué. As ruas não tem trânsito, mas também não tem carros, o luxuoso hotel tinhas pratos sujos por que não havia detergente para limpar os pratos. A população nem chega perto do nobilíssimo papel higiênico - reservado a turistas e guardados com chave, literalmente, nos restaurantes. O mofo se instalou por que não há manutenção, cuidado. As avenidas pintadas e o hospitalzão bacana estavam só na rota turística, para pegar o pessoal do citytour. O povo mesmo ia para um posto de atendimento básico, destruído, sem a menor dignidade. A turma fica na rua por que nas casas de 50 metros, moram 11-12 pessoas. Trabalhar no turismo, recebendo por fora gorjetas e comissões por indicações em restaurantes, era a melhor maneira de conseguir uma renda fora dos 25 dólares basais, do professor ao jogador de bola, que mal de dão para comer. Os cubanos escoram-se na caridade para conseguir umas peças de roupas. Um secador de cabelo, dado pela minha mulher a nossa amiga cubana renderia, nas palavras dela, renda de 2 meses no mercado paralelo.

Em um primeiro momento, fiquei mais indignado com a vinda dos médicos cubanos. Mas hoje, concentro minha repulsa nos vagabundos que mandam por lá. Na ilha, exploram a população, num império de faz de conta para atrair simpatizantes e uma duríssima realidade ao povo povo mesmo. No Mais Médicos, exploraram uns coitados, impondo-lhes uma formação médica/ideológica, seja lá o que isso for. Formam para o básico, mas o básico já ficou para trás. Exploram outra vez aqui, tomando o salário para os próprios bolsos e segurando a família do médico por lá. Tudo no grande faz de conta, às custas de carne humana, área aliás em que o comunismo é primoroso.


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