terça-feira, 27 de novembro de 2018

O que é que a França tem?

Abrindo um pouco espaço para um de meus temas preferidos, vinhos!

No mundo são milhares de grandes vinhos, mas nenhum um país produz tantos ícones quanto a França. Sempre me intrigou por que os vinhaços florescem por lá e todas as suas regiões são tão famosas. Achei algumas respostas, vamos lá:

Natureza:
As uvas exigem algumas condições específicas para que produzam grandes vinhos. No planeta, a maioria das regiões produtoras está em paralelos de climas temperados, períodos de insolação regulares ao longo do ano, índices pluviométricos previsíveis. A França, por definição, tem todas estas características. Suas áreas produtoras estão posicionadas principalmente do centro ao sul do território, em encostas montanhosas ao longo de cursos dos rios, como Bordeaux, Borgonha e Rhone. Mesmo áreas de clima mais frio, como Champagne e Alsácia conseguem manter algumas dessas características e são especializadas em vinhos brancos secos ou espumantes, que tradicionalmente, são produzidos em condições mais flexíveis que os tintos.
O solo das regiões produtoras também é especial - segmentos argilosos e graníticos predominam, irrigados por cursos hídricos profundos, o que acaba por concentrar o açúcar das uvas, o que é ideal para a produção de vinhos.

Knowhow:
Ao longo dos séculos de produção, as técnicas foram aprimoradas, desde o plantio até a comércio. Uma série de tecnologias foi criada pelos franceses, como maneira de se misturar o gás carbônico ao líquido à Champagne. As uvas mais utilizadas, em gigantesca maioria tem nomes franceses - Malbec, Cabernet Sauvignon, Merlot - selecionadas em lentos anos até atingir pleno potencial. Destaco a Cabernet Sauvignon, um cruzamento artificial entre as variedades Sauvignon Blanc e a Cabernet Franc, tida antigamente como muito pesada e forte para vinhos.

Política, economia e história:
A cultura do vinho vem desde os tempos da Mesopotâmia, mas seu desenvolvimento e refinamento se deram na Europa, sobretudo na idade média, quando monges e pequenas comunidades cultivavam as vinhas para os cerimoniais e foram aos poucos aprimorando cada detalhe. Após a queda do império Romano, em 476, a França já majoritariamente católica ficou em relativa estabilidade sob o reino dos Francos. Portugal e Espanha ainda eram segmentados em reinos bárbaros, a Itália era dividida em territórios papais e pequenos estados independentes e a Alemanha um conjunto de reinos e burgos sem sinais de unificação. Após a coroação de Carlos Magno em 800, a região seguiu por séculos como o principal estado católico, tendo em seu território grandes comunidades e vilas que mantinham o cultivo da bebida.
O vinho francês já era tido como superior, mas já ganhava o velho mundo quando o casamento de Eleanor de Aquitânia e Henrique Plantageneta, em 1152, trouxe ao trono inglês ao ducado da Aquitânia, que incluía a já famosa área de Bordeaux. Desde desses tempos o mercado inglês já mirava os goles na qualidade francesa.
O avanço das navegações na idade moderna tornou o vinho francês um importante produto comercial, o que também levou a uma maior especialização e atenção a produção, ao passo que nos outros países, a vinicultura era apenas para consumo e quase nada refinada. Os chateaus viraram marcas, cases de sucesso de séculos!

O vinho francês é a estrela do mundo do vinho. É a tradição a que todos se curvam e na qual se espelham. O prestígio criado em séculos passa por recomendações de Louis XIV, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e Winston Churchill. Cada taça que podemos tomar é um mergulho na história e nas melhores tradições da nossa civilização!



quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Um capitalista em Cuba

No dia do anúncio do fim do programa Mais Médicos, Cuba volta a tona. Fechada pela vontade de seus mandatários, sem a menor liberdade para seus cidadãos, a ilha segue seu regime totalitário. Defendidos pelos convertidos, a lenda tornou-se muito maior que a realidade. Se houve algum tempo de bonança, essa já está enterra.

Em janeiro de 2014 fui a Cuba. Mesmo jamais tendo sido defensor de seus ditadores ou mesmo ou simpatizante de esquerda, o país sempre esteve nos meus principais planos turísticos, fosse para ver a realidade socialista, fosse, guardadas as devidas proporções, para meu de volta para o futuro, andando em uns Cadillacs velhos, nos tempos pré-cartão de crédito, celular e internet.

O voo partiu para Havana, com escala no Panamá. Aeroporto novo, internet voando, dólar como moeda padrão, predios cortando o horizonte. Na chegada em Cuba, um certo cheiro de nostalgia já surgia no ar. O aeroporto, bem digno, era bem anos 80. Me lembrou na hora o do Duro de Matar II, com as televisões caixotes com informações básicas, aviões com aquele acabamento cromado, divisórias de vidro encardido. No saguão, nada dos clássicos cafezinhos, locadoras de carros e bancas. Não havia nada, apenas uns guichês de uma Embratur local.

Pedi um transfer para o hotel. Queria estrear com chave de ouro meu momento Biff Tanen em um baratão daqueles... mas, dei de cara com um Peugeot velho, detonado. Uma espiada no odômetro me levantou a sobrancelha: 999.999 - ou seja... ao infinito e além. Fui descobrir que a França - quem mais poderia ser? - fez um acordão com Fidel no fim dos anos 90, e mandou para lá um monte de Peugeots e Citroens. Se Collor achou os carros do Brasil carroças, imagina os caras de lá, que quando tem opção, é entre um carro de 1950 ou um francês...

Seguindo no papo com o motorista, nada demais, a conversa de sempre de qualquer lugar:
- Primeira vez? Estão gostando? Se esperava grandes contrastes, a pergunta que me chovia era bem familiar... E a Carminha? A novela da Carminha estava em seus capítulos finais naquele janeiro, aparentemente causando a mesma febre que ocorrera aqui.

Na cidade aí sim a surpresa! Tudo caprichadinho, pintado... trânsito zero, arborizado. Passamos por hospital cardiológico, bonitão, vazio. Até que o comunismo nem é tão ruim hein? Guarde essa informação... Mais a frente você entenderá...

Chegamos no Hotel. Escolhido a dedo. Havana Riviera. Aos fãs, sim, aquele em que Michael Corleone enfrenta Hyman Roth na cobertura, dando início ao clímax do Poderoso Chefão II. Me senti o próprio Michael ou até o 007 do Sean Connery chegando no Caribe. Recados na recepção, chaves em um envelope, telefones de parede, business cards de acompanhantes, porteiros e maleiros uniformizados ao estilo Goldfinger. O bar era próprio do poderoso chefão, sujeitos mal encarados, garçom com cara de espião... E o restaurante? Piano de cauda, entalhes de madeira até o teto... só pra não perder a metáfora do livro/filme, estilão Gatsby.

Como um nostálgico confesso, até mesmo do que não vivi, tudo parecia sensacional. Mas aí os detalhes vem à tona. No mesmo restaurante luxuoso, o prato era sempre sujo, o quarto, mofo puro, com direito a água minando do armário ao ligar o chuveiro. Da vista da janela, o mar. Mas todas as avenidas coloridas tinham ido embora. Guarde essa informação... Mais a frente você entenderá...

Saímos no passeio... parei numa casa de câmbio, onde uns dólares foram trocados 1 para 1 com os pesos cubanos - uma moeda exclusiva para turistas. Os cubanos recebem outro peso, cuja proporção era de um (meu) para 25 (deles). Chamou-me atenção muita gente na rua, pareciam aproveitando os espaços públicos, relaxando... muito legal hein?
Seguimos e paramos em um paladar. O tal paladar é um dos poucos negócios que um cubano podia ter naquela época - um restaurantinho, tocado pela família, voltado a turistas. Comida simples e boa. De cara, o atendente te pergunta: olá, quem te indicou? Como nos outros parágrafos, já eu explico.

Mais uma volta... nada das avenidas coloridas e arborizadas, mas muito prédio no reboco, cueca pendurada, varal cruzando a rua, do lado do fio elétrico. A paisagem mudou, mesmo estando no centrão, de frente ao mar. Mar aliás tensíssimo! A onda batia na barreira da rua e voava água até umas quatro pistas de distância. Incrível pensar em pegar um barquinho e dar umas remadas por ali...

Numa dessas, um casal de Cubanos na rua, escutando o português já pergunta:
- E a Carminha?
Conversa vai, conversa vem, começo a tirar umas dúvidas, os porquês. Seguimos o papo até um boteco clássico - casa de ninguém menos que Compay Segundo, membro do icônico Buena Vista Social Club, trilha sonora de 110% dos restaurantes de Havana e em 180% dos restaurantes cubanos pelo mundo.
Em um Martini e outro, falo que sou médico e o simpático cubano me convida para ir a um hospital, não sem antes comprar uns charutos piratas, naquele me engana que eu gosto, mas com o fim nobre de apesar da exploração, dar uma ajuda pro cara, claramente quebrado.
Ah, quase esqueço... profissão? Professor primário. Sonho? Arrumar um emprego no turismo. Calma... já eu explico.

Chegamos ao hospital. Bem da verdade, um prédio velhos, como qualquer outro, sem reboco. Pasmem os crentes, mas filas, filas e filas. Dei uma olhadinha na sala, macas ao melhor estilo necrotério - de lata, sem colchão. Baldes no chão. No consultório, um médica atendia numa mesinha, azulejo sujo, sem pia, sem toalha. Dedo cortado e icterícia ali, lado a lado, resistindo horas lado a lado, em pé, ora sentado na meia dúzia de cadeiras, ora sentado no chão. Tivemos que sair. Não poderíamos seguir em outras áreas.

No fim do dia, os amigos tinham que ir embora, mas não sem um pedido inusitado. Meio constrangido, o rapaz me pergunta se eu não teria umas 3 camisetas iguais a que eu estava usando. Não entendi, mas confirmei que tinha. Pergunta seguinte, eu ia precisar delas?
Na mesma linha, a mulher do casal pergunta a minha mulher se ela tinha também umas calças. Sim ela tinha, mas por quê?
Calma eu explico.

O mais médicos é a essência de Cuba. Não dos cubanos, que tratam as pessoas - sem excessão - com cordialidade, simpatia e alegria, mas do Estado Cubano. O presídio ilha de Fidel Castro, tal como o Programa do PT tem lá alguns (poucos) acertos, está soterrado de boas intenções, discursos bonitos e ideais nobres, mas na essência, é um grande migué. As ruas não tem trânsito, mas também não tem carros, o luxuoso hotel tinhas pratos sujos por que não havia detergente para limpar os pratos. A população nem chega perto do nobilíssimo papel higiênico - reservado a turistas e guardados com chave, literalmente, nos restaurantes. O mofo se instalou por que não há manutenção, cuidado. As avenidas pintadas e o hospitalzão bacana estavam só na rota turística, para pegar o pessoal do citytour. O povo mesmo ia para um posto de atendimento básico, destruído, sem a menor dignidade. A turma fica na rua por que nas casas de 50 metros, moram 11-12 pessoas. Trabalhar no turismo, recebendo por fora gorjetas e comissões por indicações em restaurantes, era a melhor maneira de conseguir uma renda fora dos 25 dólares basais, do professor ao jogador de bola, que mal de dão para comer. Os cubanos escoram-se na caridade para conseguir umas peças de roupas. Um secador de cabelo, dado pela minha mulher a nossa amiga cubana renderia, nas palavras dela, renda de 2 meses no mercado paralelo.

Em um primeiro momento, fiquei mais indignado com a vinda dos médicos cubanos. Mas hoje, concentro minha repulsa nos vagabundos que mandam por lá. Na ilha, exploram a população, num império de faz de conta para atrair simpatizantes e uma duríssima realidade ao povo povo mesmo. No Mais Médicos, exploraram uns coitados, impondo-lhes uma formação médica/ideológica, seja lá o que isso for. Formam para o básico, mas o básico já ficou para trás. Exploram outra vez aqui, tomando o salário para os próprios bolsos e segurando a família do médico por lá. Tudo no grande faz de conta, às custas de carne humana, área aliás em que o comunismo é primoroso.


quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Acertos inciais

Passadas as eleições, o governo Bolsonaro começa a fazer suas indicações ministeriais e indicações de posições práticas administrativas. A despeito da histeria dos opositores e de boa parte da imprensa, são muitos acertos.

Para começo de conversa, o debate de 2018 sepultou o velho converseiro esquerda vs muito esquerda, que existiu até então. Há novas idéias no ar, princípios conservadores e liberais bem definidos, ausentes provavelmente desde o império, vem em protagonismo.

São absolutas novidades no cenário, e pouco exploradas, a intenção de se combater o crime frontalmente atacando a impunidade e prendendo criminosos, a indicação de privatização por convicção e a descentralização dos recursos federais.

Na nova república, dada no período de hegemonia cultural esquerdista, embora tenha havido pinceladas de medidas liberais - geralmente postas por necessidade - jamais, essas idéias tiveram, abertamente, força para serem lançadas às claras, dentro de uma agenda eleitoral e finalmente, de governo.

O crime organizado explodiu nas últimas décadas, apesar do relativo crescimento e da estabilidade econômica experimentada. A velha falácia da desigualdade e pobreza como causas essenciais da insegurança caiu por terra. Fica claro, especialmente a população pobre - a mais afetada pela violência - que a delinquência é uma escolha, cuja decisão compara riscos e benefícios. Se nos riscos a chance de ser morto ou ter a liberdade restrita é reduzido, resta apenas o freio moral, individual. Agora, muda-se a postura. A impunidade, que começou a ser combatida no colarinho branco, via lava jato, passará a ser atacada como política de estado.

As privatizações, também protagonistas de falsas polêmicas nos últimos tempos, estão sinalizadas. No passado, mesmo as bem sucedidas, foram sempre as últimas alternativas de caixa para esquemas falidos. Foi só quando o gato da infraestrutura aeroportuária subiu no telhado que o governo petista fez a tal concessão - eufemismo puro - a entidades privadas. Os tucanos, com cara de nojo, foram obrigados a empurrar algumas estatais deficitárias para introduzir uma responsabilidade fiscal nos anos 90. A ojeriza foi tanto, que mesmo esse mérito foi copiosamente repudiado por seus próprios autores - vide Alckmin e sua fantasia de correios em 2006. Desta vez, nomes liberais de berço vem à tona, defendendo abertamente a privatização, ou mesmo o fim de estatais. Há clara descrença no tamanho opressor que o estado brasileiro tomou, uma quebra de paradigma desde provavelmente o tempo café com leite, quando começa a alternância entre intervencionistas de carteirinha, vermelhos e dirigistas, com algumas gradações, mas sempre fiéis aos princípios.

Finalmente a federalização. Na República Federativa do Brasil, só está no nome. Prefeituras deficitárias se acumulam pelo país. O dinheiro, facilmente coletado do contribuinte - morador dos municípios - parte na sua incrível jornada para Brasília, de onde, um dia, quem sabe, com muita fé, volta em migalhas. É lugar comum dizer que a vida de um prefeito é mais estressante que de um presidente. Não duvido. A gigantesca maioria dos problemas que as pessoas sentem, estão na sua vizinhança: violência, buracos na rua, matagal, emprego, serviços. A crença na eficiência do dirigismo central, distante, talhada em décadas de propaganda cultural marxista é refutável por qualquer pessoa que já tocou um orçamento - mesmo de um churrasco. Se um percentual maior dos recursos gerados pelas cidades, nelas permanecer, os indivíduos, aqueles de carne e osso, só tem a ganhar.

As idéias finalmente mudaram. Um novo espírito paira no ar. Um cavalo encilhado parece surgir no horizonte, agora cabe trabalhar para monta-lo.


terça-feira, 30 de outubro de 2018

Amadurecimento ideológico

A maioria das análises - sobretudo da grande mídia - da composição política brasileira ainda parece calcada em conceitos da década passada. Se os períodos de polarização PT x PSDB permitiam a conversa fácil de esquerda contra direita, muito embora direita não houvesse, hoje, tudo muda.

Pintar Bolsonaro como extrema direita e Haddad como extrema esquerda é superficial, que embora possa até vender uma história, não é suficiente para explicar tudo o que acontece e, principalmente o que virá. Ambos agregaram votos de diferentes interesses, que por um motivo ou outro se dobraram as alternativas disponíveis.

No momento inicial deste novo momento, nascido sim em resposta ao projeto criminoso de poder petista, juntou pessoas de múltiplos espectros, sejam intuitivos ou construídos, mais posicionados a um campo direitista, entretanto com muitas divergências entre si. Da mesma forma, o campo esquerdista, majoritariamente unido aos governos de 2002-2016 também abre suas contradições.

Se a agenda partidária anterior era intervencionista e fisiológica, chamada até de 50 tons de vermelho, agora pintam outras cores no quadro, mas nem tudo é azul ou verde.

A nova composição do congresso trará as novas posições ungidas da população. Agendas conservadoras, liberais, libertárias, sociais democratas deverão ser explicadas a parte. Votações de suposto bloco aliado ao planalto terão suas divergências. Se por anos criticou-se a ausência de agendas ideológicas no Brasil, se há um caminho natural para que elas surjam, será a partir da fratura que estas eleições representaram no esquema de auto-preservação do poder que foi instalado no Brasil.

É muito provável que bancadas supra-partidárias temáticas - segurança pública, evangélica, rural - convirjam interesses, a despeito da orientação partidária. O mesmo vale para a identidade ideológica: Haverá, talvez pela primeira vez em décadas, indivíduos que tem posicionamento claro, que independem da sigla a qual estão vinculados. Desses conjuntos poderão surgir, no longo prazo, novos partidos, aí sim com pautas mais definidas.

Nem toda direita é coxinha, na a é esquerda mortadela. O que houve até hoje perderá força e o lugar comum cairá por terra. No mundo, as vacas sagradas na análise política caminham para o brejo. O que se entendia por força partidária, governabilidade e o opiniões superficiais ideológicas tornaram-se conversa fiada de imprensa, que erraram muito e caem no descrédito por serem incapazes mesmo de entender a própria audiência.

Se a divisão fácil da direita, esquerda e centro serviu até agora, o futuro parece exigir mais conhecimentos e divisões. Haverá convergências e coalizões, mas os correntes políticas serão marcantes, em claro reflexo a maturidade política da própria população.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

O evento esquecido

No meio do furor eleitoral, deixo espaço para uma reflexão histórica diferente.

Em 17 dias, completa-se-á um século do término da Primeira Guerra Mundial. Chamada na época de Grande Guerra, mudou profundamente a estrutura geopolítica como era conhecida e traz impactos até hoje.

O conflito, iniciado pelo estopim do assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo, então império Austro-Húngaro, já vinha sendo gestado por anos, em alianças e pelo protagonismo alemão no cenário político econômico no início dos anos 1900, em oposição latente a Inglaterra.

A liberdade econômica e a estabilidade política no império britânico, dada ao longo do século XIX, mostraram um caminho sólido de crescimento e melhora da qualidade de vida dos cidadãos, o que acentuou as diferenças com outras nações tradicionais como Áustria e sobretudo Rússia.

O império alemão, então recém unificado, soube agregar as qualidades dos reinos germânicos e em um momento inicial de organização e estabilidade, lançado por Bismarck, cresceu em prestígio diplomático, poderio bélico e econômico. O país que não existia, passou a buscar, especialmente após a ascensão do Kaiser Guilherme II seu lugar como potência dominante.

As batalhas se sucederam, por quatro anos. Ao contrário da 2˚ Guerra, onde havia um forte componente moral, não havia àquele momento, um contexto profundo no ideário dos combatentes, embora o Imperio alemão flertasse com modelos mais autoritários que os ingleses e americanos.

Os países primos lutaram, os monarcas, parentes, até íntimos - George V da Inglaterra e Nicolau II da Rússia são muito parecidos - consumiram recursos, soldados e capital político. Em 1917, eclode a revolução russa, que dá o pontapé a narrativa da guerra fria. Com menos pompa, o então primeiro lorde do almirantado inglês, Winston Churchill, cometia, na operação em Galipoli - Turquia, o erro estratégico que marcaria sua vida - ao menos até a redenção na década de 40; O oficial Adolf Hitler iniciava sua carreira pública, sem brilho.

As sementes do século foram plantadas ali. A segunda guerra começava seus capítulos após a derrocada alemã. O regime soviético emergiria como potência brutal, a toda força, seguia seu expurgo, substituindo as almas pelo estado. Os italianos, marginalizados ante os outros co-irmãos, teriam no e totalitarismo estatal do fascismo o suposto caminho destemperado contra o atraso.

As negociações ao término da Guerra, influenciadas pelos 14 pontos do presidente americano Woodrow Wilson, traziam, talhado em um viés dito democrático, determinações comerciais, regulamentares e geopolíticas que passavam por cima dos aspectos regionais e culturais. O tratado de Versalhes, ficou célebre por definir a pesada punição alemã, também determinou o fim de algumas das estruturas de poder existentes - saiam de cena Habsburgos, Hohenzollerns, Otomanos para a entrada de democracias parlamentaristas representativas à americana. Surgia a incipiente Liga das Nações - entidade supranacional destinada a evitar novos conflitos e governar para o bem geral. Um modelo que lançava sutilmente a idéia do governo global, trajado de boas intenções - ideal e belo no princípio, ingênuo e falho na implementação, como o ser humano. Começava aí a lenta substituição das soberanias nacionais, em detrimento de acordos supranacionais, acentuado a partir do fim da guerra fria.

Hoje, 100 anos após Versalhes, é a mesma questão que volta a tona. A predominância de acordos supra-nacionais em todas as áreas - econômicas, legislativas, educacionais - parece ter se esgotado. No ocidente, emergiram candidaturas e governantes anti governo global - Brexit, Estados Unidos, Áustria, Itália e provavelmente Brasil. As pautas domésticas, segurança, imigração, comércio - palpáveis a população, em boa parte incompreensíveis aos anseios de grupos pan-nacionais, dominados por comunidades de burocratas sem rosto, de interesses excusos - sobrepõem eleitoralmente o globalismo e parecem, iniciar uma nova rodada no jogo político mundial - mais soberania local nacional, menos interesse global.

O evento esquecido - cujos efeitos são geralmente ensinados apenas como capítulos antecedentes a segunda guerra - não tem lá tantos filmes nem livros, mas parece ser o progenitor deste tempo. Hoje não parece haver, ao menos até médio prazo, banho de sangue no horizonte, mas há novo ciclo no ar. Em um século a história se reinventa, os capítulos abertos da narrativa humana se fecham, mas os novos já se alinham para ser escritos.






segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Londrina e a pré-figuração da governabilidade

Em 2012, Londrina elegeu para prefeito Alexandre Kireeff, então PSD, em campanha sem coligações, com uma mensagem claramente anti-establishment e contrária aos modos da elite política tradicional. Não havia um forte componente ideológico, como observado agora em 2018, até por que a conformação político ideológica da cidade, identificada ao centro era comum a maioria dos candidatos.

O pleito foi decidido no segundo turno, com a surpreendente vitória de Kireeff, que literalmente, partiu do 1%, derrotando o então franco favorito, Marcelo Belinati. A vitória do azarão, sem o apoio dos caciques regionais foi destaque nacional, sem paralelo em outras cidades grandes.

O discurso de campanha vencedor pregava a independência para indicações técnicas e políticas nas secretarias e cargos - advinda da não coligação. Um vício da chamada velha política seria eliminado desde o primeiro momento.

Logo na primeira entrevista e colunas da imprensa, havia o questionamento sobre a governabilidade da administração eleita. Haveria caminho possível para um prefeito sem vereadores correligionários? Sem uma aliança partidária? Cairia o discurso por terra no velho toma lá da cá?

Kireeff respondia, talvez até sem tanta confiança, que acreditava em alianças baseadas em princípios e propostas. A narrativa seria testada nos 4 anos de governo.

Hoje, passados 2 anos do fim da administração Kireeff, a estratégia funcionou. Questionamentos e avaliações a parte, o prefeito terminou o mandato positivamente, apoiado por boa parte da população, manteve-se longe de escândalos e viu uma parcela significativa dos eleitores clamar por sua candidatura a reeleição, que não ocorreu por opção pessoal. As dissidências e insucessos da gestão, podem ser justificados por uma série de motivos, entre os quais não está a hostilidade da câmara municipal decorrente da falta de uma grande aliança política.

Um país como o Brasil tem desafios infinitamente maiores do que a prefeitura de Londrina. Texturas ideológicas, uma luta infame pelo poder, a força do chamado deep state são variáveis muito mais imprevisíveis do que sindicatos locais e servidores de administração direta, mas em algum grau, existe sempre convergência de objetivos e negociações pontuais, sobre pautas e proposições, que são uma via a governabilidade.

Em uma nova situação na política nacional, com fragmentação dos partidos e das agendas programáticas o exemplo de Londrina pode mostrar que há alternativa ao métodos tradicionais de negociação política. As bancadas partidárias majoritárias ruíram. No médio prazo, parece não haver a espaço para o espectro de partidos que até então davam as cartas no congresso brasileiro. Um novo caminho se imporá e determinará se a cultura política brasileira vai avançar ou retroceder em outra frustração.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Notas da semana

1. Corrida Presidencial:
Um campeonato mata-mata, primeiro jogo fora, 4x0 para o visitante. Agora, estamos no segundo jogo em casa, nuns 35 minutos do segundo tempo. Dá para virar?
Até é possível... mas...
Haddad é agora um cadáver insepulto. Sua candidatura carece, desde o início de substância. Traz idéias apenas que agradam aos seus próprios militantes. Eleitoralmente, tem o recall dos anos do boom econômico do governo Lula. Só. Não consegue transpor essa população, o que Dilma, não exatamente uma pessoa capaz, fez. Naquele momento, havia essa substância, uma agenda a ser defendida - muito embora boa parte da real situação, sobretudo financeira, do país foi abjetamente e convenientemente escondida.
O grito de Cid Gomes é seu brado de independência. O senador e o ghost writer (talvez ghost talker), Ciro, veem um nicho para sobreviver e tentar voos mais altos no futuro.
Bolsonaro segue o jogo seguro. Aplainou o discurso, busca os temas nas áreas em que se sente bem, usa da sua enorme influência na internet e percebeu, principalmente, que Haddad não tem discurso, usa as mesmas estratégias de desconstrução usadas no primeiro turno e tenta, emular certo Bolsonarismo, que não engana ninguém.
Ir a debate, nesse momento é tentar um gol olímpico. Se der certo, todo mundo lembra, é história. Se der errado, pode dar contra-ataque. Alguns torcedores até vão reclamar da falta de vontade marcar gol, os críticos dirão que é retranca. Mas a maioria prefere mesmo a ser campeão, ainda que jogando feio.

2. Corridas Estaduais:
A onda pelo novo e contra o fisiologismo pusilânime parece encaminhar Minas e Rio. Candidaturas que representam o melhor do mais do mesmo parecem sucumbir a propostas diferentes que, de fato, são inéditas.
Em SP há promessa de adrenalina até o final. Fosse o embate entre Dória e Skaf, o primeiro já teria seu caminho pavimentado. França, embora carregue seu partido, co-fundador do foro de São Paulo, e um histórico de esquerda, não é visto pela população desta forma. Destaco ainda que ao contrário dos demais velhos políticos, parece dominar melhor estratégias de persuasão e comunicação. Sua estratégia de se apresentar como novo - ninguém lembrava dele mesmo - e de explorar ao máximo a dita "falta de palavra" e oportunismo de Dória parece funcionar.
Dória também vai bem, mas perdeu um pouco do encanto de 2016 e não pode usar com a mesma intensidade, seu mantra, o João Trabalhador/acelerador/gestor. Na prefeitura, em alguns momentos, afagou a esquerda e sua clara tentativa frustrada presidencial o deixou com um bela cicatriz de politiqueiro, a moda antiga.
Tenho a impressão que a etiqueta petista não cola tão bem em França quanto a de oportunista em Dória.
O debate será decisivo. Uma tirada eficiente de qualquer um dos dois pode definir.

3. Nova legislatura:
Já pipocam nomes e articulações para o controle do congresso. Nesse momento, acho muito falatório, pouco fato. Os caciques ainda não entraram em cena. Articulam muito, mas nada do que é real ainda é público.
Bolsonaro tem no antecedente de Trump uma preocupação. O deep state, cargos públicos não eleitos, embutidos nas cadeias fisiológicas e corruptivas do poder, não cederá, lhe será a mais desafiadora das oposições. Para aplicar sua agenda, precisará do congresso. Sua experiência como deputado contará. Há boas razões para crer em um articulação com algum candidato menos identificado com o executivo, mas palatável a militância conservadora/liberal. Impor um candidato, sobretudo um muito crítico aos velhos políticos poderia instigar mais oposição, desnecessariamente.
Kim Kataguiri faz bem seu jogo. Lança seu nome a presidência da câmara. Se levar, inicia uma consagração. Se perder, não sai derrotado, por que sua atitude já era ousada mesmo. Há, contudo, um obstáculo - secções dos novatos são ligados ao MBL, liderado por Kim. Na eventual disposição de um candidato apoiado pelo governo e Kim, qual seria o voto? Seria o primeiro racha de uma nova bancada?