quinta-feira, 25 de outubro de 2018

O evento esquecido

No meio do furor eleitoral, deixo espaço para uma reflexão histórica diferente.

Em 17 dias, completa-se-á um século do término da Primeira Guerra Mundial. Chamada na época de Grande Guerra, mudou profundamente a estrutura geopolítica como era conhecida e traz impactos até hoje.

O conflito, iniciado pelo estopim do assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo, então império Austro-Húngaro, já vinha sendo gestado por anos, em alianças e pelo protagonismo alemão no cenário político econômico no início dos anos 1900, em oposição latente a Inglaterra.

A liberdade econômica e a estabilidade política no império britânico, dada ao longo do século XIX, mostraram um caminho sólido de crescimento e melhora da qualidade de vida dos cidadãos, o que acentuou as diferenças com outras nações tradicionais como Áustria e sobretudo Rússia.

O império alemão, então recém unificado, soube agregar as qualidades dos reinos germânicos e em um momento inicial de organização e estabilidade, lançado por Bismarck, cresceu em prestígio diplomático, poderio bélico e econômico. O país que não existia, passou a buscar, especialmente após a ascensão do Kaiser Guilherme II seu lugar como potência dominante.

As batalhas se sucederam, por quatro anos. Ao contrário da 2˚ Guerra, onde havia um forte componente moral, não havia àquele momento, um contexto profundo no ideário dos combatentes, embora o Imperio alemão flertasse com modelos mais autoritários que os ingleses e americanos.

Os países primos lutaram, os monarcas, parentes, até íntimos - George V da Inglaterra e Nicolau II da Rússia são muito parecidos - consumiram recursos, soldados e capital político. Em 1917, eclode a revolução russa, que dá o pontapé a narrativa da guerra fria. Com menos pompa, o então primeiro lorde do almirantado inglês, Winston Churchill, cometia, na operação em Galipoli - Turquia, o erro estratégico que marcaria sua vida - ao menos até a redenção na década de 40; O oficial Adolf Hitler iniciava sua carreira pública, sem brilho.

As sementes do século foram plantadas ali. A segunda guerra começava seus capítulos após a derrocada alemã. O regime soviético emergiria como potência brutal, a toda força, seguia seu expurgo, substituindo as almas pelo estado. Os italianos, marginalizados ante os outros co-irmãos, teriam no e totalitarismo estatal do fascismo o suposto caminho destemperado contra o atraso.

As negociações ao término da Guerra, influenciadas pelos 14 pontos do presidente americano Woodrow Wilson, traziam, talhado em um viés dito democrático, determinações comerciais, regulamentares e geopolíticas que passavam por cima dos aspectos regionais e culturais. O tratado de Versalhes, ficou célebre por definir a pesada punição alemã, também determinou o fim de algumas das estruturas de poder existentes - saiam de cena Habsburgos, Hohenzollerns, Otomanos para a entrada de democracias parlamentaristas representativas à americana. Surgia a incipiente Liga das Nações - entidade supranacional destinada a evitar novos conflitos e governar para o bem geral. Um modelo que lançava sutilmente a idéia do governo global, trajado de boas intenções - ideal e belo no princípio, ingênuo e falho na implementação, como o ser humano. Começava aí a lenta substituição das soberanias nacionais, em detrimento de acordos supranacionais, acentuado a partir do fim da guerra fria.

Hoje, 100 anos após Versalhes, é a mesma questão que volta a tona. A predominância de acordos supra-nacionais em todas as áreas - econômicas, legislativas, educacionais - parece ter se esgotado. No ocidente, emergiram candidaturas e governantes anti governo global - Brexit, Estados Unidos, Áustria, Itália e provavelmente Brasil. As pautas domésticas, segurança, imigração, comércio - palpáveis a população, em boa parte incompreensíveis aos anseios de grupos pan-nacionais, dominados por comunidades de burocratas sem rosto, de interesses excusos - sobrepõem eleitoralmente o globalismo e parecem, iniciar uma nova rodada no jogo político mundial - mais soberania local nacional, menos interesse global.

O evento esquecido - cujos efeitos são geralmente ensinados apenas como capítulos antecedentes a segunda guerra - não tem lá tantos filmes nem livros, mas parece ser o progenitor deste tempo. Hoje não parece haver, ao menos até médio prazo, banho de sangue no horizonte, mas há novo ciclo no ar. Em um século a história se reinventa, os capítulos abertos da narrativa humana se fecham, mas os novos já se alinham para ser escritos.






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