O evento esquecido
No meio do furor eleitoral, deixo espaço para uma reflexão histórica diferente.
Em 17 dias, completa-se-á um século do término da Primeira Guerra Mundial. Chamada na época de Grande Guerra, mudou profundamente a estrutura geopolítica como era conhecida e traz impactos até hoje.
O conflito, iniciado pelo estopim do assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo, então império Austro-Húngaro, já vinha sendo gestado por anos, em alianças e pelo protagonismo alemão no cenário político econômico no início dos anos 1900, em oposição latente a Inglaterra.
A liberdade econômica e a estabilidade política no império britânico, dada ao longo do século XIX, mostraram um caminho sólido de crescimento e melhora da qualidade de vida dos cidadãos, o que acentuou as diferenças com outras nações tradicionais como Áustria e sobretudo Rússia.
O império alemão, então recém unificado, soube agregar as qualidades dos reinos germânicos e em um momento inicial de organização e estabilidade, lançado por Bismarck, cresceu em prestígio diplomático, poderio bélico e econômico. O país que não existia, passou a buscar, especialmente após a ascensão do Kaiser Guilherme II seu lugar como potência dominante.
As batalhas se sucederam, por quatro anos. Ao contrário da 2˚ Guerra, onde havia um forte componente moral, não havia àquele momento, um contexto profundo no ideário dos combatentes, embora o Imperio alemão flertasse com modelos mais autoritários que os ingleses e americanos.
Os países primos lutaram, os monarcas, parentes, até íntimos - George V da Inglaterra e Nicolau II da Rússia são muito parecidos - consumiram recursos, soldados e capital político. Em 1917, eclode a revolução russa, que dá o pontapé a narrativa da guerra fria. Com menos pompa, o então primeiro lorde do almirantado inglês, Winston Churchill, cometia, na operação em Galipoli - Turquia, o erro estratégico que marcaria sua vida - ao menos até a redenção na década de 40; O oficial Adolf Hitler iniciava sua carreira pública, sem brilho.
As sementes do século foram plantadas ali. A segunda guerra começava seus capítulos após a derrocada alemã. O regime soviético emergiria como potência brutal, a toda força, seguia seu expurgo, substituindo as almas pelo estado. Os italianos, marginalizados ante os outros co-irmãos, teriam no e totalitarismo estatal do fascismo o suposto caminho destemperado contra o atraso.
As negociações ao término da Guerra, influenciadas pelos 14 pontos do presidente americano Woodrow Wilson, traziam, talhado em um viés dito democrático, determinações comerciais, regulamentares e geopolíticas que passavam por cima dos aspectos regionais e culturais. O tratado de Versalhes, ficou célebre por definir a pesada punição alemã, também determinou o fim de algumas das estruturas de poder existentes - saiam de cena Habsburgos, Hohenzollerns, Otomanos para a entrada de democracias parlamentaristas representativas à americana. Surgia a incipiente Liga das Nações - entidade supranacional destinada a evitar novos conflitos e governar para o bem geral. Um modelo que lançava sutilmente a idéia do governo global, trajado de boas intenções - ideal e belo no princípio, ingênuo e falho na implementação, como o ser humano. Começava aí a lenta substituição das soberanias nacionais, em detrimento de acordos supranacionais, acentuado a partir do fim da guerra fria.
Hoje, 100 anos após Versalhes, é a mesma questão que volta a tona. A predominância de acordos supra-nacionais em todas as áreas - econômicas, legislativas, educacionais - parece ter se esgotado. No ocidente, emergiram candidaturas e governantes anti governo global - Brexit, Estados Unidos, Áustria, Itália e provavelmente Brasil. As pautas domésticas, segurança, imigração, comércio - palpáveis a população, em boa parte incompreensíveis aos anseios de grupos pan-nacionais, dominados por comunidades de burocratas sem rosto, de interesses excusos - sobrepõem eleitoralmente o globalismo e parecem, iniciar uma nova rodada no jogo político mundial - mais soberania local nacional, menos interesse global.
O evento esquecido - cujos efeitos são geralmente ensinados apenas como capítulos antecedentes a segunda guerra - não tem lá tantos filmes nem livros, mas parece ser o progenitor deste tempo. Hoje não parece haver, ao menos até médio prazo, banho de sangue no horizonte, mas há novo ciclo no ar. Em um século a história se reinventa, os capítulos abertos da narrativa humana se fecham, mas os novos já se alinham para ser escritos.
No meio do furor eleitoral, deixo espaço para uma reflexão histórica diferente.
Em 17 dias, completa-se-á um século do término da Primeira Guerra Mundial. Chamada na época de Grande Guerra, mudou profundamente a estrutura geopolítica como era conhecida e traz impactos até hoje.
O conflito, iniciado pelo estopim do assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo, então império Austro-Húngaro, já vinha sendo gestado por anos, em alianças e pelo protagonismo alemão no cenário político econômico no início dos anos 1900, em oposição latente a Inglaterra.
A liberdade econômica e a estabilidade política no império britânico, dada ao longo do século XIX, mostraram um caminho sólido de crescimento e melhora da qualidade de vida dos cidadãos, o que acentuou as diferenças com outras nações tradicionais como Áustria e sobretudo Rússia.
O império alemão, então recém unificado, soube agregar as qualidades dos reinos germânicos e em um momento inicial de organização e estabilidade, lançado por Bismarck, cresceu em prestígio diplomático, poderio bélico e econômico. O país que não existia, passou a buscar, especialmente após a ascensão do Kaiser Guilherme II seu lugar como potência dominante.
As batalhas se sucederam, por quatro anos. Ao contrário da 2˚ Guerra, onde havia um forte componente moral, não havia àquele momento, um contexto profundo no ideário dos combatentes, embora o Imperio alemão flertasse com modelos mais autoritários que os ingleses e americanos.
Os países primos lutaram, os monarcas, parentes, até íntimos - George V da Inglaterra e Nicolau II da Rússia são muito parecidos - consumiram recursos, soldados e capital político. Em 1917, eclode a revolução russa, que dá o pontapé a narrativa da guerra fria. Com menos pompa, o então primeiro lorde do almirantado inglês, Winston Churchill, cometia, na operação em Galipoli - Turquia, o erro estratégico que marcaria sua vida - ao menos até a redenção na década de 40; O oficial Adolf Hitler iniciava sua carreira pública, sem brilho.
As sementes do século foram plantadas ali. A segunda guerra começava seus capítulos após a derrocada alemã. O regime soviético emergiria como potência brutal, a toda força, seguia seu expurgo, substituindo as almas pelo estado. Os italianos, marginalizados ante os outros co-irmãos, teriam no e totalitarismo estatal do fascismo o suposto caminho destemperado contra o atraso.
As negociações ao término da Guerra, influenciadas pelos 14 pontos do presidente americano Woodrow Wilson, traziam, talhado em um viés dito democrático, determinações comerciais, regulamentares e geopolíticas que passavam por cima dos aspectos regionais e culturais. O tratado de Versalhes, ficou célebre por definir a pesada punição alemã, também determinou o fim de algumas das estruturas de poder existentes - saiam de cena Habsburgos, Hohenzollerns, Otomanos para a entrada de democracias parlamentaristas representativas à americana. Surgia a incipiente Liga das Nações - entidade supranacional destinada a evitar novos conflitos e governar para o bem geral. Um modelo que lançava sutilmente a idéia do governo global, trajado de boas intenções - ideal e belo no princípio, ingênuo e falho na implementação, como o ser humano. Começava aí a lenta substituição das soberanias nacionais, em detrimento de acordos supranacionais, acentuado a partir do fim da guerra fria.
Hoje, 100 anos após Versalhes, é a mesma questão que volta a tona. A predominância de acordos supra-nacionais em todas as áreas - econômicas, legislativas, educacionais - parece ter se esgotado. No ocidente, emergiram candidaturas e governantes anti governo global - Brexit, Estados Unidos, Áustria, Itália e provavelmente Brasil. As pautas domésticas, segurança, imigração, comércio - palpáveis a população, em boa parte incompreensíveis aos anseios de grupos pan-nacionais, dominados por comunidades de burocratas sem rosto, de interesses excusos - sobrepõem eleitoralmente o globalismo e parecem, iniciar uma nova rodada no jogo político mundial - mais soberania local nacional, menos interesse global.
O evento esquecido - cujos efeitos são geralmente ensinados apenas como capítulos antecedentes a segunda guerra - não tem lá tantos filmes nem livros, mas parece ser o progenitor deste tempo. Hoje não parece haver, ao menos até médio prazo, banho de sangue no horizonte, mas há novo ciclo no ar. Em um século a história se reinventa, os capítulos abertos da narrativa humana se fecham, mas os novos já se alinham para ser escritos.
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